ADOLESCENTE QUE ESTÁ HÁ SEIS ANOS DESAPARECIDO APÓS IR PARA CASA DE AMIGO JOGAR VIDEOGAME FOI MORTO POR POLICIAIS, DENUNCIA MP
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O Ministério Público de Goiás (MP-GO) denunciou quatro policiais militares pela morte do adolescente João Vitor Mateus de Oliveira, de 14 anos, que desapareceu há seis anos após ir para a casa de um amigo jogar videogame, em Goiânia. A casa foi alvo de uma ação da Polícia Militar (PM), que apurava uma denúncia de um carro roubado. Na ocasião, dois amigos e um primo de João também foram mortos pelos policiais, segundo a denúncia. A polícia negou que o adolescente estava no local.
Foram denunciados os policiais Fabrício Francisco da Costa, de 42 anos, Thiago Antonio de Almeida, de 37, Eder de Sousa Bernardes, de 40, e Cledson Valadares Silva Barbosa, de 33. O g1 não conseguiu contato com as defesas dos militares até a última atualização desta reportagem.
"Agindo de forma livre e consciente, em comunhão de ações e desígnios, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima e para assegurar a impunidade de outros crimes, os denunciados mataram João Vitor Mateus de Oliveira, por meio de disparos de arma de fogo", afirma o documento, ao qual o g1 teve acesso.
Em nota, a PM informou que o caso está sob análise do Poder Judiciário e afirmou que tem compromisso com a transparência e a observância da legalidade.
A ação policial que, segundo o MP, matou o adolescente desaparecido, Marley Ferreira Nunes, Matheus Henrique de Barros Melo e Divino Gustavo de Oliveira ocorreu no dia 23 de abril de 2018. O corpo de João nunca foi encontrado.
"Os denunciados colocaram o corpo em um dos veículos e o ocultaram, situação que persiste até a presente data. Além disso, a morte e a ocultação do cadáver da vítima João Vitor foram praticadas para encobrir a ausência de causa justificante para a ação criminosa desenvolvida no interior da residência, ou seja, para assegurar a impunidade dos denunciados em relação aos três primeiros homicídios, eliminando o adolescente que havia presenciado os fatos", afirma a denúncia.
A mãe do garoto disse ao g1 que a vida perdeu o sentido e que só continua viva porque “infelizmente, tem que viver”. Ela e todo o restante da família se dizem dilacerados por aquela noite e, desde então, grande parte desenvolveu problemas psicológicos.
“Minha menina teve que fazer tratamento por muito tempo, porque ficou com uma depressão muito forte. Eu estou me recuperando, mas tem dias me desestabilizo toda. Não posso ouvir barulho de sirene de polícia, porque passo mal. Minha mãe entrou em depressão, até hoje está doente. Minha irmã, mãe do meu sobrinho que morreu, toma remédio controlado. Então, destruiu a família”, contou.
Ao ser perguntada sobre a esperança de Justiça sobre o caso envolvendo o filho, a mãe de João disse que espera por Justiça divina. "Esperança de achar o corpo dele eu tenho. Agora, de ter justiça ou achar ele vivo, não. Eu sei que isso aí não vai ter, infelizmente. A única justiça que eu sei que vou ter é a de Deus”, afirmou.
Entenda o caso
Trechos do inquérito policial, ao qual o g1 também teve acesso, revelam que, na noite de 23 de abril de 2018, a equipe do Batalhão de Choque entrou na casa de Matheus Henrique, de 19 anos, após receber uma denúncia anônima de que uma caminhonete roubada estava escondida lá. Os policiais olharam por cima do muro, viram o veículo e decidiram entrar no imóvel.
Na versão da PM, os policiais foram recebidos a tiros por Matheus; Marley Ferreira, de 17 anos; e Gustavo, de 19 anos. Por isso, revidaram atirando de volta. Ao todo, os militares deram pelo menos 10 tiros contra os jovens, que morreram na casa antes mesmo da chegada do Corpo de Bombeiros. Segundo os três policiais, João Vitor nunca esteve lá.
Mas é justamente ao falar sobre a caminhonete e a entrada da equipe na casa que os depoimentos se distanciam sobre o que aconteceu. A avó de Matheus diz que saiu de casa horas antes da ação, deixando o neto acompanhado dos amigos Marley, Gustavo e João Vitor. Ela afirma que não havia nenhuma caminhonete na casa até então.
Em outros depoimentos, testemunhas relatam que um quarto amigo de Matheus teria pedido para deixar a caminhonete roubada na casa dele para “esfriar” - escondida para não ser rastreada. Dizem que esse amigo chegou a voltar para buscar o veículo, ficou na casa por um tempo, mas saiu para comprar um refrigerante minutos antes da chegada da equipe da PM.
Familiares e amigos dos garotos mortos na ação negam que eles roubaram o carro, que usassem armas ou tivessem coragem de reagir contra qualquer ordem da polícia.
Quando a ação se encerrou, a mãe de João Vitor e os familiares fizeram um boletim de ocorrência. Depois, se dividiram: uma parte passou a madrugada procurando em hospitais e IMLs, enquanto a outra rodava o bairro chamando pelo nome de João Vitor. Mas nem sinal do menino.
A família também espalhou cartazes, fez buscas na vizinhança, entrou em córregos e fez posts nas redes sociais. “Colocamos até na televisão”, lembra a mãe. Mas nenhuma informação surgiu.
Pertences encontrados em mata
A família detalha que Gustavo e João Vitor eram primos bem próximos, a ponto do adolescente usar o telefone do primo para acessar as redes sociais, já que não tinha condições de comprar um próprio. No dia das mortes, Gustavo avisou para a mãe que ia deixar o celular com João Vitor antes de ir para a escola. Depois da aula, se encontraria com o primo na casa de Matheus e pegaria o celular de volta.
Naquela noite, quando a viatura começou a deixar a casa de Mateus lentamente - já que muitas pessoas estavam aglomeradas na rua e dificultavam a saída dos policiais -, os familiares ligaram para o número de Gustavo. Três pessoas ouviram o celular tocando de dentro da viatura da PM. Uma das testemunhas, inclusive, reconheceu e descreveu o toque do celular como sendo o mesmo do celular de Gustavo, que estava com João Vitor.
A carcaça do aparelho foi encontrada três dias depois, durante buscas em uma região de mata no Residencial Forteville, a cerca de 2,4 km da casa de Matheus. No mesmo dia, dois pedreiros também acharam um par de chinelos que, segundo a família, pertencia a João Vitor. Em depoimento eles explicaram que construíam o muro de uma chácara e ao ligarem uma bomba d’água em um córrego, acharam os pertences.
Ao lado do celular e do chinelo também foram encontrados projéteis de arma de fogo e, ainda, uma “pequena mancha de sangue”. A Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros foram chamados e realizaram buscas com cães farejadores, mas nada mais foi encontrado. Um bombeiro confirma em depoimento a existência da mancha vermelha.
G1*
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